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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

sopro

Havia do lado direito da rua, um senhor de (aparentemente) 65 anos, sentado em seu banquinho de madeira com uma pilha da livros sobre o colo. Tinha uma longa barba branca, talvez barba demais pra quem tinha o topo da cabeça sem um fio de cabelo. Por algum momento ele me lembrou Charles Darwin com um óculos fundo de garrafa.
- "Lamentável, não?"
- "Hãn? Desculpa...não entendi!"
- "Quando as pessoas são inteligentes assim, quase ninguém as quer por perto. A maioria acaba sozinha."
- "Você esta falando daquele senhor?"
- "Sim! Ele é inteligentíssimo! Fala várias línguas, e é professor de filosofia, mas dá aula de história da arte na faculdade X. Dizem que as aulas dele são muito loucas, algumas não dá pra entender porra nenhuma."
Achei graça do termo "porra nenhuma", mas aquilo fazia sentido. Ás vezes as coisas óbvias são as mais difíceis de enxergar.
Para uns, pessoas como esse senhor é apenas mofo e poeira, para outros, é relíquia.

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sábado, 8 de dezembro de 2012

Sorvete e Gene Vincent



Aproveitando o embalo dos dez dias para os meus quinze anos, mais uma história de Lívia.

"Era tempos de debutantes. Vestidos longos, luvas bem passadas e esticadas ao comprimento dos finos braços das novas mulheres, sapatos de engraxar impecável, e á altura da cabeça, uma bela coroa cravejada de diamantes ou bijuterias. As moças desfilavam pelo salão de festas acompanhadas de seus marinheiros ou soldados, o corpo em postura perfeitamente ereta e o sorriso, por mais que sem jeito, que não saia do rosto. Lívia observava sentada á mesa com seu rosto apoiado sobre a mão direita. Apenas seus olhos atentos e esbugalhados moviam-se conforme o cavalheiro ia conduzindo a dama pelo salão. Suspirou, em ar de desaprovamento, e procurou se distrair com as contas da sua bolsa de festa. Faltavam exatos dez dias para o aniversário de quinze anos da mesma, mas ela não se sentia confortável em fazer nada daquilo. Achava um tanto gozado a forma como as meninas se comportavam depois dessa espécie de "amostra á sociedade". Ela não queria crescer. Queria tudo á seu tempo.
Eis que seu aniversário chega. Recebe parabéns, abraços e beijos de seu pai que acabara de voltar do quartel, e sua mãe, que lhe preparava um bolo ás escondidas, mas que esquecera de limpar a farinha da barra da saia. "Quinze enfim, minha menininha! O que quer fazer hoje? Uma festa, um passeio, o que quiseres!". Lívia pensou um pouco, um tanto incomodada pois suas irmãs mais novas estavam a observa-la esperando uma resposta que fosse proveitosa para elas também. "Quero um vestido! Um vestido rodado, com um laço de fita atrás. Como nos filmes que assisti no Cine Palácio. E talvez, depois eu possa ir á sorveteria...". Era um pedido simples, mas satisfatório tanto para Lívia quanto para seus pais. No final da tarde, seu vestido estava pronto, assim como havia pedido, com um laço de fita enorme que envolvia e modelava sua cintura de menina-moça. Á noite, fora com suas amigas na sorveteria do centro da cidade, onde tocava suas músicas preferidas do Gene Vincent e Cochran e alguns paquerinhas passavam.
Para lívia, aquela havia sido a mais confortável noite de debutante de todos os tempos."


vícios


Mas do que adianta procurar outro vício se vou me apaixonar por ele também?
Daí eu me lembro do melhor café caseiro, da melhor matéria que li, do beijo entre o James Dean e a Natalie Wood e principalmente, de você.
A depressão supera os vícios.
Troco café pro rivotril, jornal pelo teto do meu quarto, James Dean pela TV desligada e você pelo meu travesseiro.
No fundo, nada supera.
Meu amor por café, meu amor por internet, meu amor por cinema e meu amor por você.
Mas de que adianta,
Se o café em excesso me deixa agitada , se as horas perdidas na internet quase me atrasa um ano, se ainda não posso fazer meu próprio cinema e se não te tenho pra expressar meu amor por você?
Preciso arrumar um novo vício,
que supere querer estar viciada.

Rotina: Parte 1


Tire o cansaço dos olhos, ruja pra vida, se atrase pro compromisso, corre pro ponto de ônibus, se apaixone no terminal pelo cara de cabelos bagunçados, calça jeans surrada e barba por fazer. Aprenda palavrão, em alemão ou em inglês, coisa que já domina no português. Almoce sem vontade, engula a comida que desce sem gosto, tão pesada quanto a ressaca que lhe dói a cabeça. Tire a poeira da vitrola, bota um disco pra tocar, fume um cigarro enquanto escuta o lado A, sofra de abstinência enquanto arranha o lado B. Penteie o cabelo, só pra desembaraçar e desfaça os nós da tua garganta,  beba whisky pra descer. Ignore quem te quer, escreva uma carta pra quem te ilude, corre a língua no papel pra colar, mas não cola, que nem a vida que levas com a que queria levar.

sofá xadrez

"Deixa eu me debruçar em você no sofá enquanto passa algo na tv
me impeça de levantar nem que seja pra buscar alguma coisa pra beber
meu rosto encaixa certinho entre seu ombro e o pescoço, é sinal de que combino contigo
me encolho, me embrulho em você, e sua barba me espeta, mas eu não ligo
todo esse amor clichê faz a gente adormecer e esquecer de desligar a tv
eu posso dormir uma vida inteira e quem vai pagar a conta de luz é você"

Lívia

"Lívia era sozinha, mas gostava das coisas assim. Morava com a solidão na Visconde de Pirajá e era feliz. Um belo dia, ao comprar frutas como sempre fazia no mercado em baixo de seu prédio, Lívia conheceu o amor. Ela nunca esteve perto de um, sequer tinha ouvido falar. Seus olhos brilharam quando o amor se aproximou e tocou-lhe a mão, oferecendo a bandeja com as mais bonitas maçãs do mercado. O amor não falava nada, mas Lívia entendia tudo. A solidão, sentindo-se traída, apareceu de súbito e a puxou pelo braço, fazendo-a correr para o lance de escadas até o décimo primeiro andar e trancar-se em seu apartamento, apenas com a solidão. Lívia prote
stou, e a solidão tentou consola-la oferecendo-lhe café, um cigarro e a programação de sábado da tv aberta. A menina cedeu, repousando os pés sobre a mesinha de centro da sala minúscula, mas aconchegante. Lívia sonhou com o amor naquela noite e em muitas outras. Um belo dia, ao descer para o mercado e comprar suas maçãs e chás, como de costume, Lívia reencontrou o amor. O mesmo deu de ombros, e seguiu em frente com sua nova companhia, e assim, Lívia, cabisbaixa, subiu até o décimo primeiro andar, acendeu um cigarro, preparou seu café e repousou os pés na mesinha de centro assistindo á programação de sábado, acompanhada da solidão."